
17 de Fevereiro de 2025 postado por Renato Campos
Pouco mais de duas semanas atrás, uma troca chocante colocou um executivo da NBA — até então relativamente desconhecido fora do círculo do basquete — sob os holofotes do público em geral. Nico Harrison, gerente geral do Dallas Mavericks, mandou Luka Doncic para o Lakers, numa negociação praticamente sem precedentes na história do esporte.
A decisão gerou reações imediatas e barulhentas: multidões em frente à arena do Mavs fazendo vigília simbólica com caixão, torcedores prometendo cancelar carnês de temporada, teorias conspiratórias sobre uma possível mudança de cidade da franquia — que até o comissário Adam Silver precisou desmentir no All-Star Weekend. Em meio ao turbilhão de críticas, toda a atenção se voltou para Harrison: Quem é esse cara? E por que ele faria isso?
Nico Harrison: o homem que guarda segredos
De fato, ninguém — além de algumas poucas pessoas nos escritórios de Mavs e Lakers — tinha ideia de que essa troca histórica estava para acontecer. Harrison sempre soube guardar um segredo. Ainda na faculdade, nos anos 1990, ele conseguiu manter sua bolsa de estudos em sigilo até mesmo de sua própria mãe, a pedido do treinador.
Aos 52 anos, Harrison é conhecido por ser disciplinado, focado em condicionamento físico, pouco influenciável pela emoção e extremamente cuidadoso com as informações que compartilha. Ele construiu uma carreira de sucesso na Nike, atuando diretamente com jogadores de ponta como Kobe Bryant, Anthony Davis e Kyrie Irving. Foi nessa época que surgiu o apelido “The Seals” (Os Focas) para descrever o grupo de representantes da marca com atletas da NBA — uma equipe que operava, acima de tudo, no silêncio total.
As motivações por trás da troca e lesão inexistente
A mudança de Doncic para o Lakers, vista pela maioria como um ato impulsivo e irracional, na verdade tem raízes em preocupações de Harrison com a cultura e a disciplina do jovem esloveno. Embora Doncic tenha sido dominante em quadra e amado pelos torcedores do Mavericks, havia inquietações sobre seu condicionamento físico e hábitos fora de jogo. Mesmo marcando média de pelo menos 27 pontos, 8 rebotes e 8 assistências nas cinco últimas temporadas, e estando elegível a um mega contrato de US$ 345 milhões, o Mavericks não planejava oferecer tal vínculo.
Harrison vinha de uma escola de pensamento muito ligada à “Mamba Mentality” de Kobe Bryant e sentia que Doncic não tinha a rotina e o comprometimento que ele — e o que restava da organização do Mavs — consideravam ideais. Além disso, Harrison nutria uma antiga amizade com Rob Pelinka, gerente geral do Lakers e ex-agente de Kobe. Sem querer alardear a possível troca e criar uma concorrência desnecessária, Harrison levou a ideia diretamente a Pelinka, confiando em sua discrição.
No entanto, mesmo com toda a dominância de Doncic, o Mavericks tinha dúvidas sobre sua postura e seu condicionamento. Em novembro, ele foi afastado de cinco partidas por conta do que foi anunciado como uma entorse no punho direito, mas que, na realidade, servia de pretexto para que o jogador pudesse focar em melhorar sua forma física. A franquia temia que seu desempenho e saúde fossem prejudicados a longo prazo se ele não ajustasse seus hábitos.
A reação do público
Enquanto a NBA ficava atônita, a torcida de Dallas reagiu com pesar e revolta. Muitos foram às redes sociais para protestar, declarando que encerrariam qualquer vínculo com o time. Foram levantadas também hipóteses de que a nova gestão do Mavericks planejava mudar a franquia de cidade — rumores que o próprio Adam Silver desmentiu.
Apesar de tudo, Harrison tem sustentado que sua meta continua a mesma: construir um ambiente cultural sólido e vencer campeonatos. Em entrevistas após a negociação, ele mencionou que queria alguém que se encaixasse melhor no “DNA” desejado pela franquia. Não é de se estranhar que Anthony Davis — que mantém boa relação com Harrison desde os tempos de Nike — tenha sido o alvo preferencial do time do Texas.
Uma aposta arriscada ou um movimento calculado?
Harrison, que recusou entrevistas específicas sobre esse tema, sempre foi descrito como um “tomador de riscos medidos”. Em outra ocasião, por exemplo, ele arriscou trazer Kyrie Irving em meio a diversas polêmicas, alegando que o maior perigo estava em “não fazer nada”. No caso Doncic, muitos apostam que ele possa ter deixado um dos melhores jogadores do mundo sair em troca de um atleta mais velho e com histórico de lesões, como Davis. Mas Harrison acredita que o risco de manter um astro insatisfeito (ou fora de forma) seria ainda maior para a cultura que deseja estabelecer.
Por incrível que pareça, isso se encaixa na mentalidade de Harrison: ele é extremamente cauteloso — tanto que não saiu oferecendo Doncic para diversas franquias. Preferiu tratar diretamente com Pelinka, acreditando que seu ex-companheiro de viagens com Kobe manteria tudo em sigilo. Naturalmente, outros executivos da liga ficaram irritados ao saber, depois do fato consumado, que poderiam ter oferecido mais.
Um futuro em aberto
A troca de Luka Doncic para o Lakers continua sendo alvo de especulações e teorias. Muitos torcedores e especialistas creem que o Mavericks abriu mão de um talento geracional, enquanto Harrison insiste ter feito o que era melhor para a franquia a longo prazo, tanto em termos de ambiente interno quanto de chances de título.
Doncic, por sua vez, terá de se adaptar à exigente torcida do Lakers, enquanto troca a cultura de Dallas pela de Los Angeles. O tempo dirá se ele reencontrará o caminho para um estilo de jogo ainda mais dominante — e uma rotina mais regrada — ou se provará que Harrison abriu mão de um dos maiores talentos do basquete moderno.